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O que é ?


SombrinhasO FREVO
(Valdemar de Oliveira)


O frevo – palavra exótica – tudo que é bom diz, exprime. É inigualável, sublime, termo raro, bom que dói. Vale por um dicionário, traduz delírio, festança, tudo salta, tudo dança, tudo come, tudo rói.

Somente Pernambuco possui uma música e uma dança carnavalescas que são coisas sua, original, que se criou no meio do povo, quase espontaneamente, e se cristalizou depois, como traço marcante de sua fisionomia urbana. Urbana sim. Porque foi, de fato, no Recife, que isso tudo aconteceu, no Recife dos fins do século XIX. É impossível distinguir bem: se o frevo, que é a música, trouxe o passo ou se o passo, que é a dança, trouxe o frevo. É possível, porém, afirmar que o frevo foi invenção dos compositores de música ligeira, feita para o carnaval, enquanto o passo brotou mesmo do povo, sem regra nem mestre, como por geração espontânea. Os nomes de batismo vieram depois de nascida a criança, já ela crescida e dona de si.
As raízes do frevo e do passo são muito superficiais. Não são como as do maracatu, que mergulham na escravidão. Nem como as dos caboclinhos, que vêm dos tempos dos colonizadores, sabe-se lá. Nem negro, nem índio, nem branco luso, espanhol ou holandês. Se se tivesse de despistar a filiação genealógica, avós e pais apareceriam bem mestiços. Mulatos. Foi o capoeira do Recife, o ancestral do passo. E o frevo, esse surgiu de uma mistura heterogênea, cujos ingredientes têm menos interesse do que a criação coletiva que deles nasceu. Talvez fosse até melhor tomar por empréstimo ao vocabulário da Química – “combinação” em vez de “mistura”. Porque o frevo constitui, na verdade, um terceiro corpo, nada parecido com os que lhe deram vida.



SombrinhasÉ FREVO, MEU BEM!
(Leonardo Dantas Silva)


Não sei se devo, ou não devo dizer, mas digo afinal:
– Se até Roma fosse o Frevo, teria a Bênção Papal!
(Austro Costa)

No bairro recifense de São José, um clarim ecoa dentro da noite.
Seguem-se o rufar dos taróis, a cadência binária do surdo, os acórdes dos metais e a marcação dos tubas.
À medida que o cortejo se aproxima, sentimos a presença das palhetas (requinta, saxofones e clarinetas), como a responder um diálogo com os metais.

De todas as partes aparece gente.
Nas ruas estreitas do poético e tradicional bairro recifense, homens, mulheres e até crianças correm dentro da noite, aos tropeções, com um sorriso nas faces e uma demonstração de felicidade, produzidos, como que por uma mágica, por aqueles acordes ainda distantes.

Velhos abrem as portas de casas estreitas, passando a caminhar apressadamente pelas calçadas. Quem não pode se locomover, fica apreciando a multidão das janelas e das sacadas das varandas. Parece que a loucura tomou conta do mundo.

– É ele que vem...

– É Vassoura, arreparem os foguetes!

– Está na Rua das Calçadas, vamos atalhar pelo Beco do Sirigado...

Um estandarte, bordado com fios de ouro e cheio de lantejoulas e pedrarias apliocadas, preso a uma haste de metal de cerca de três metros, encimado por duas “vassourinhas”, cruzadas, parece flutuar, em plena noite do Recife, com suas evoluções sobre multidão heterogênea. Não tem mais o que discutir: é o Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas que sai de sua sede em mais um dos seus ensaios de rua.

A multidão vai se avolumando, comprimindo-se, já tomando direção da Rua Direita, enquanto os acordes de um binário sacolejante tornam-se mais presentes e colocam o povo em alvoroço: homens abraçados uns aos outros, outros sozinhos fazendo complicados passos, enquanto no meio da onda já aparecem dezenas de sombrinhas.

Pernadas, cotoveladas, pisadelas e empurrões não são sentidos em meio a tal confusão. Os demônios tomaram conta das ruas, antes tranqüilas e até soturnas. As mulheres vão chegando e logo retiram os sapatos e sandálias, para com eles calçarem às mãos, enquanto procuram um lugar “menos pesado” na frente ou no “rabo” do clube.

É Vassouras no bairro de São José; o frevo tomando conta do mesmo Recife que o viu nascer, fazendo ferver as ruas que lhe serviram de berço. Ou como diria um homem do povo:

– É Vassouras que vem frevendo!...




SombrinhasFREVO
(Luís da Câmara Cascudo)

Dança de rua e de salão, é a grande alucinação do carnaval pernambucano. Trata-se de uma marcha de ritmo sincopado, obsedante, violento e frenético, que é a sua característica principal. E a multidão ondulando, nos meneios da dança, fica a ferver. E foi dessa ideia de fervura (o povo pronuncia frevura, frever, etc.), que se criou o nome de frevo. A primeira coisa que caracteriza o frevo é ser, não uma dança coletiva, de um grupo, um cordão, um cortejo, mas da multidão mesma, a que aderem todos que o ouvem, como se por todos passasse uma corrente eletrizante. Igualmente é dançado em salão, como marcha, sem embargo de que, por vezes, os pares se desfaçam em roda, a cujo centro fica um dançarino, obrigado a fazer uma letra (um posso ou uma gatimônia qualquer) depois do que é substituído por outro e assim sucessivamente. O frevo é uma marcha, com divisão em binário e andamento semelhante ao da marchinha carioca, mais pesada e barulhenta e com uma execução vigorosa e estridente de fanfarra. Nele o rimo é tudo, afinal a sua própria essência, ao passo que na marchinha a predominância é melódica. Divide-se em duas partes e os seus motivos se apresentam sempre em diálogos de trombones e pistões com clarinetes e saxofones. Mário Melo diz que o frevo nasceu da polca-marcha e foi o Capitão José Lourenço da Silva (Zuzinha), ensaiador das bandas da Brigada Militar de Pernambuco, quem estabeleceu a linha divisória entre o frevo e a polca-marcha, que começa na introdução sincopada em quiálteras.



SombrinhasO FREVO E O PASSO
(Roberto Benjamin)


A palavra frevo é hoje usada para denominar um tipo de ritmo variante da marcha. A dança individual que se pratica ao ritmo do frevo é denominado passo.
A origem da palavra frevo é, porém, relativa à dança e não à música. A expressão frevo vem de frever, ferver, fervura aplicadas à movimentação do povo que acompanhava as bandas musicais dançando; quando se executavam certos tipos de marchas carnavalescas onde prevalecia o som dos matais – Trombones, saxofones, clarinetas, requintas...
A maioria dos folcloristas considera que o frevo (música) não é folclórico. Cada música tem autor conhecido e necessita de notação musical, com arranjos orquestrais que requerem domínio da escrita musical e da divisão das partituras para cada instrumento e dos músicos a leitura, que depende de aprendizado específico etc.
O passo, dança individual e espontânea originária da prática da capoeira ao som das bandas musicais é de natureza folclórica.




SombrinhasEU E O TEATRO
(Maria Clara Machado)


...Como meu pai era crítico de arte e amigo de pintores e intelectuais, minha casa ficou famosa por receber toda a espécie de gente. De escolas de samba até companhias estrangeiras de balé e teatro, os domingos em minha casa ficaram conhecidos como um centro de encontros entre gente interessante.
Para mim e minhas irmãs o importante eram os bailecos que fazíamos na sala de jantar. Empurrávamos a mesa e a dança começava. Enquanto os mais velhos discutiam a arte e os destinos do mundo e do país (meu pai era um romântico comunista), nós descobríamos os novos passos de dança. Fui muito aplaudida no frevo que dancei até pra Jean-Luis Barrault, que passou pelo Rio com sua companhia de teatro.
Jean Babille, famoso bailarino, Albert Camus, Pablo Neruda, Maria Helena Vieira da Silva, Dante Milano, Murilo Mendes, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Adalgisa e Ismael Nery, Di Cavalcanti, Goeldi, Guignard, Portinari e todos os novos que surgiam na época, Otto Lara Rezende, Paulinho Mendes Campos, Rubem Braga, João Cabral de Mello Neto, Scliar, Fayga, Glauco Rodrigues, Anna Letycia, Tonia Carrero e muitos e muitos outros frequentaram os domingos do 487.




SombrinhasCARNAVAL DO RECIFE
(Antônio Maria)


Todo o documentário que existe do carnaval pernambucano feito de fotografias, desenhos, partituras, poesia e artigos hoje, parece que é pouco diante do que tenho em lembrança. Menino, eu andava na rua, com o povo, repartindo o mesmo sentimento festeiro. Cresci, vagando por dentro dos carnavais, sem a preocupação de assisti-lo, sem bisbilhotá-lo, sem pretender ser o seu repórter, mas sentindo-o, intensamente, alegrando-me dele, no cheiro, na cor, no gosto, na música e na dança. Começa que, no Recife, o carnaval é uma necessidade temperamental do povo. A timidez do pernambucano precisa de uns dias de desabafo, para que se possam dizer coisas enterradas no fundo da alma, sem o protesto dos outros, com o apoio da polícia e do governo. Tomemos, uma a uma, todas as canções e vamos encontrar o amor em cada uma delas. A confissão, a queixa, a promessa coisas impossíveis de dizer durante o resto do ano, sem a solidariedade das luzes, do éter, do álcool; sem o incentivo dos trombones agudos, que gritam nas pontas de rua: “somos livres, a vida nos pertence”. Tanto isto é verdade que a grande maioria dos namorados nasce no carnaval. Marido e mulher, depois de muito tempo de casamento, com filhos e chateações, lembram sempre que se conheceram naquele carnaval de 33, no corso da Rua Nova, no baile da Boa Viagem ou do Jóquei.
Em seguida, tomemos a dança o frevo. Examinemos as piruetas de cada passista e vamos chegar à conclusão de que só uma imensa necessidade de desabafo é capaz de mexer aqueles dançarinos. O passista é sempre o improvisador. Se derramou todo corpo na perna esquerda e roçou o nariz no calçamento, aquilo nada teve de passo clássico. Foi o corpo que fez, a mando do coração, naquela hora e, talvez, não repita mais. Foi a rasteira que ele não pôde dar no patrão, no dia em que foi xingado, posto na rua, desmoralizado diante dos outros.
O carnaval de minha terra é uma lindeza. Se alguém puder, que vá vê-lo.



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